sábado, novembro 28, 2015

Na Hora de Distinguir e Decidir: O Caminho é uma Democracia Orgânica (1974)

Jáder Araújo de Medeiros

Em sensacionais declarações que fez recentemente à imprensa, o Marechal Juarez Távora, disse inicialmente aos repórteres que “não desejava se estender muito sobre assuntos políticos”, frisando: “Estou afastado há muito tempo das lides e só quem está mexendo a caldeira é que pode falar de decisões e resultados”. E acrescentou: “A normalização democrática é um assunto muito complexo e só quem exerce o Poder sabe a oportunidade de efetivá-la ou não”. Em tom ligeiramente irônico, disse: “Eu não sou profeta ou adivinho”.

Afirmou ainda o Marechal Juarez Távora, “que o atual regime enfrenta um período de transição”, salientando: “Há que ter paciência para esperar as soluções e eu digo isso principalmente para os jovens, sempre impacientes. Eu já estou no fim da vida e só agora percebo uma perspectiva para o Brasil. Isso me consola”.

Prosseguindo, destacou que “dentro de um Governo, existem três aspectos a considerar: o econômico-financeiro (bem encaminhado e já dando frutos), o psico-social (bem equacionado a partir da premissa de que o fator econômico é um meio para resolver o aspecto social e não um fim em si mesmo), e o político”, acrescentando: “Falta, para nós, a equação. É necessário saber estabelecer o equilíbrio da ordem com autoridade e da liberdade com responsabilidade. Tudo deve ser dosado, resolvido com equilíbrio e sem precipitações”.

Antes de abordar e destacar o ponto mais importante e sensacional de suas declarações, devo assinalar que o Marechal Juarez Távora, é um homem politicamente bem vivido e experimentado, tendo desempenhado funções da mais alta relevância na administração pública do País, desde o tempo em que, como tenente, tomou parte destacada na revolução liberal de 1930.

Poder-se-á discordar das posições anteriormente assumidas pelo honrado militar, quando o mesmo ainda estava convencido de que “não há democracia sem liberalismo”, como sói acontecer, ainda nos tempos que correm, com os velhos, retrógrados e renitentes apologistas das esdrúxulas e superadas teorias de Jean Jacques Rousseau e da Revolução Francesa.

Mas, a partir do momento em que o velho e íntegro homem público, está convencido “da inutilidade do liberalismo como política, convencendo-se, obviamente, de que “é impossível continuar confundindo liberalismo com democracia”, a ninguém é dado discordar do Marechal Juarez Távora, - a não ser aqueles tais, - quando afirma à imprensa, que “NUNCA MAIS RETORNAREMOS À DEMOCRACIA LIBERAL. SEM DÚVIDA, O LIBERALISMO MORREU NO MUNDO MODERNO. NÃO HÁ NAÇÃO QUE SOBREVIVA SEM PLANEJAMENTO RÍGIDO E O CONTROLE SÉRIO DAS EXECUÇÕES DE PROJETOS”.

E em seguida, apontando a solução mais consentânea aos supremos interesses do Brasil e dos brasileiros, para a implantação de uma verdadeira e autêntica Democracia no País, o bravo Marechal afirma com absoluta convicção: - “O CAMINHO É UMA DEMOCRACIA ORGÂNICA COM EQUILÍBRIO PERFEITO DE ORDEM E LIBERDADE”, aduzindo: “Sem ordem não há progresso, sem uma economia forte não há progresso social e sem progresso social não há liberdade. A normalização virá dentro desses preceitos. Não sei quando nem como, pois já disse que não sou profeta. Mas virá”.

Essas e outras declarações, incisivas e no mesmo diapasão, do ex-ministro do Governo Castelo Branco, foram feitas à imprensa quando o mesmo esteve no escritório do General Ernesto Geisel, fazendo entrega ao General Golbery do Couto e Silva, de um estudo sobre o Desenvolvimento do Nordeste em relação ao Desenvolvimento Brasileiro, elaborado por técnicos ligados ao comércio e à indústria de Pernambuco, que solicitaram ao Marechal para passá-lo às mãos do futuro Presidente da República.

É evidente que, apanhado de surpresa pelos repórteres, o Marechal Juarez Távora não quis entrar em maiores detalhes, talvez por prudência, sobre o que entende por DEMOCRACIA ORGÂNICA, limitando-se a uma ligeira digressão a respeito de tão palpitante e oportuníssimo tema de ordem político-institucional.

Foi o bastante para que o colunista Carlos Castello Branco, do “Jornal do Brasil”, tido e havido como um grande entendido sobre assuntos políticos, entre elogios balofos e feitos de encomenda ao velho Marechal, articulasse uma série de considerações, na vã tentativa de procurar justificar uma suposta impropriedade da expressão DEMOCRACIA ORGÂNICA, usada pelo ilustre entrevistado, como o único caminho, certo, a ser palmilhado pela Revolução de Março de 64, para a implantação de uma verdadeira e autêntica Democracia no Brasil, através da qual participem, real e efetivamente, todas as Forças Vivas da Nacionalidade.

De tal sorte é a ignorância ou desconhecimento do colunista do “Jornal do Brasil”, sobre assunto de fundamental importância para a definitiva normalização democrática do País, qual seja, a DEMOCRACIA ORGÂNICA, que o mesmo chega ao absurdo de afirmar que “democracia orgânica não é nada”, insinuando que o Marechal tenha recorrido à expressão “orgânica” para evitar que o confundam com “um liberal do estilo clássico”. Esse o entendimento do colunista em apreço, o qual também labora no mesmo erros dos velhos e impenitentes apologistas da democracia liberal, ideologia estrangeira que data do século XVIII, oriunda da França, quando usa de expressões como tais: “a palavra liberal, tradicionalmente ligada à democracia...” e “politicamente, todavia, a democracia há de ser liberal ou não será democracia...”.

Francamente, além de crassa burrice, é de estarrecer que, em pleno século XX e já próximo ao século XXI, um homem tido como culto e experimentado (como ele mesmo afirma o ser), ainda esteja pensando, raciocinando e argumentando como pensavam, raciocinavam e argumentavam os nossos avós e bisavós, contemporâneos dos lampiões a gás e dos carros de bois...

Por que não DEMOCRACIA ORGÂNICA, quando já existiu uma democracia liberal?

O que acontece é o seguinte: o culto e experimentado colunista do “Jornal do Brasil”, não sabe o que é DEMOCRACIA ORGÂNICA, ao contrário do experimentadíssimo Marechal Juarez Távora. Homem estudioso dos problemas nacionais e humanos, que a conhece muito bem e sabe por que empregou essa expressão e esse qualificativo.

Ao reverso do que pretendeu insinuar o articulista do “Jornal do Brasil”, o nobre Marechal não é mais um liberal, com ou sem estilo clássico, tanto que abjurou, com todas as letras, não apenas o liberalismo, mas também a democracia que carregava o liberalismo às costas, isto é, a democracia liberal.

Já que está “na hora de distinguir”, o Marechal Juarez Távora, em síntese, distinguiu clara e inapelavelmente, DEMOCRACIA ORGÂNICA de democracia liberal. O colunista do “Jornal do Brasil”, com o seu “na hora de distinguir”, é que não distinguiu nada, baralhando tudo e tentando tirar ilações irreais, pretendendo entender o que o honrado Marechal não disse em suas incisivas e peremptórias declarações à imprensa.

A Revolução precisa ter muito cuidado com esse fogoso e inconsequente colunista, useiro e vezeiro em impingir conceitos nauseabundos de uma ideologia estrangeira já totalmente superada no mundo moderno, - o liberalismo, - tentando enxerta-los com princípios altamente renovadores e de índole integralmente revolucionários.

Será que o sr. Carlos Castello Branco, ainda não se convenceu que o “liberalismo já era”, quando homens, os mais cultos e esclarecidos deste País, já se convenceram disso, inclusive o velho e experimentado homem público, Marechal Juarez Távora, que até há pouco era ferrenho adepto do liberalismo, ou seja, da democracia liberal?

Com a palavra o Professor Goffredo Telles Júnior, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que em seu livro “A Democracia e o Brasil”, afirma: - “Para atender aos interesses da classe burguesa, as ideias do liberalismo soldaram-se ao conceito de democracia. Firmou-se em muitos países, a convicção de que não há democracia sem liberalismo. De acordo com a mentalidade dessa classe, as ideias do liberalismo erigiram-se em tabus: não podem mais ser tocadas sem que a democracia seja profanada, inimigo da democracia passou a ser todo aquele que ousasse idealizar uma democracia mais perfeita, uma democracia que não empregasse os métodos políticos do liberalismo”.

Esse categorizado mestre do Direito é extremamente convincente sobre o assunto, provando irrespondivelmente a inutilidade e o fracasso da democracia liberal no mundo inteiro e particularmente no Brasil. E quem duvidar que leia essa magistral obra publicada pela Editora Revista dos Tribunais, de São Paulo.


Talvez o articulista de “na hora de distinguir” não saiba que “etimologicamente, democracia é o governo do povo. O que supõe o reconhecimento efetivo das prerrogativas da Pessoa Humana e a participação mais direta dos cidadãos no governo do Estado”.

Todos sabem – e isto é público e notório – que na prática a democracia liberal no Brasil, nunca atendeu a essas prerrogativas, não ensejando a participação efetiva e direta do povo no governo do Estado, pois os partidos em que assenta sua estrutura político-institucional, jamais canalizaram a opinião pública, e o sufrágio universal, forma adotada pelo liberalismo para a captação da vontade popular, “é uma espécie de masseira ou amassadeira, onde todas as diferenças humanas são confundidas e onde o povo, que os imperativos naturais da existência divide em corpos sociais distintos, é desfigurado e transformado em massa, isto já é mais do que suficiente para inutilizar o sufrágio universal como processo produtor da representação política”.

A esta altura do presente comentário, é de todo conveniente ressaltar o que está escrito no livro da minha autoria, A FORÇA DE UM PENSAMENTO, quando trato do palpitante tema “Reforma Política do Brasil”: - “Se por vezes somos forçados a transigir (porque a Revolução também transigiu) com o atual sistema de captação da vontade popular, mediante a apresentação de candidatos através de partidos políticos e escolha pelo ardiloso e enganador sufrágio universal, nem por isso deixaremos de condenar um sistema que na prática  deixou de ser democrático para ser dinheirocrático ou coisa pior, porque via de regra, trás no seu bojo, travestidos de “representantes do povo”, os menos competentes ou os mais incapazes, moral e intelectualmente”.

E assinalei a seguir: - “O certo é que o Estado Democrático só será uma realidade quando for representado pelos grupos naturais e não pelos partidos políticos, como acontece atualmente. Daí desejarmos ver implantada no Brasil a Democracia Orgânica, que representará uma verdadeira e autêntica reforma das instituições políticas, sociais e econômicas da Nação Brasileira, em perfeita consonância com a tradição cristã e o progresso científico e tecnológico do nosso tempo”.

É precisamente isto o que também deseja para o Brasil, o íntegro e honrado Marechal Juarez Távora, que chega agora à mesma conclusão que já havíamos chegado há quarenta anos passados, quando afirma, pura e simplesmente, como vistas aos homens responsáveis e autênticos revolucionários do Movimento de 31 de Março de 64: “O CAMINHO É UMA DEMOCRACIA ORGÂNICA, COM EQULÍBRIO PERFEITO DE ORDEM E LIBERDADE”.

E que é DEMOCRACIA ORGÂNICA, que o colunista do “Jornal do Brasil”, considerado “um profundo entendido em assuntos políticos”, afirma que “não é nada”? Vou explicar para ele e para quantos, como ele, que são inteiramente ignorantes no assunto, o que é DEMOCRACIA ORGÂNICA, a qual, logo de início poderei dizer, sem exageros, que é a única que realiza plenamente o conceito da autêntica Democracia, porque “no organismo social, os homens fazem parte integrante de Grupos Naturais, que gozam das prerrogativas humanas e estes Grupos estão intimamente entrelaçados entre si, constituindo a Nação”.

Assim, tomando por base, então, não o homem-cívico, isolado, da democracia liberal, mas o homem em função dos Grupos Naturais, que protegem sua personalidade e asseguram sua autonomia, a DEMOCRACIA ORGÂNICA, em outras palavras, se edifica a partir das realidades que constituem o “organismo social”.

Os Grupos Naturais da sociedade, que, em última análise, constituem a base político-institucional da DEMOCRACIA ORGÂNICA, são: o familiar, o profissional, o religioso e o cultural, através dos quais, mediante novo sistema de captação da vontade popular, pelos seus legítimos representantes, todas as Forças Vivas da Nacionalidade, participarão, direta e efetivamente, do Governo e dos destinos da Pátria.

Afirmou o Marechal JuarezTávora, como já salientei, “que o atual regime enfrenta um período de transição”, e que, “há que ter paciência para esperar as soluções”. E tem toda razão o arguto e experimentado homem público, porque a mudança de um sistema de governo para outro (não é mudança de regime, pois esse, o democrático, é permanente e inalterável), não se processa apressadamente ou de afogadilho.

Assim, enquanto tal não ocorrer, enquanto não houver oportunidade propícia à implantação completa da DEMOCRACIA ORGÂNICA, como alternativa, torna-se imperiosa e indiscutivelmente oportuna, a criação e institucionalização da CÂMARA ORGÂNICA, que já constituirá uma importante inovação a ser introduzida no atual sistema, retirando de uma evidente marginalização do processo político brasileiro, as categorias econômicas, profissionais e culturais do país.

Digo “importante inovação a ser introduzida no atual sistema”, porque “a CÂMARA ORGÂNICA não diminuirá os poderes e prerrogativas da Câmara Política, ou do Senado; ao contrário, virá fortalecê-los, complementando-os como assessoria técnica e corrigindo a inexpressibilidade do sufrágio universal, cujos representantes nada mais exprimem do que as correntes de opinião do País, mas não, especificamente, os interesses de qualquer das categorias componentes do corpo vivo da Nação”.

Sinceramente, acredito que essa magnífica perspectiva será consumada dentro em breve, face às claras e incisivas afirmações do General Ernesto Geisel, no seu primeiro pronunciamento político à Nação. Disse o futuro presidente da República: - “No aperfeiçoamento do regime e, pois, das estruturas pertinentes, dever-se-á, entretanto, evitar o mero formalismo, impedir o retorno ao passado condenado e não abdicar das prerrogativas ou poderes que foram atribuídos ao Governo, enquanto essenciais à realização dos objetivos concretos e específicos que lhe cumpre perseguir para a segurança social, econômica e política dos brasileiros. As modificações necessitam ser realísticas e oportunas, com franquias que tenham, como contrapartida necessária a responsabilidade efetiva, e corresponder incontestavelmente à nossa índole, sobretudo, em que se não quebre o clima de tranquilidade indispensável ao pleno rendimento de seu labor ordenado e produtivo”.

Entendo – e melhor do que eu, entendem todos os brasileiros proscritos da falsa vida política do País, - que a criação e institucionalização da CÂMARA ORGÂNICA, constituirá, sem dúvida, uma modificação absolutamente realística e oportuna, representando um indiscutível aperfeiçoamento do regime, vale dizer, de suas estruturas, fora do mero formalismo e que permitirá à Revolução, imunizar-se contra o retorno ao passado condenado.

Portanto, com esse aperfeiçoamento do regime, a Revolução de Março de 64, estará marchando inflexivelmente para a normalização democrática, porque possibilitará a participação das categorias econômicas, profissionais e culturais do País, até aqui inteiramente marginalizadas, no processo político-administrativo e nos destinos da Nação Brasileira.
_________________________________________

Publicado originalmente no periódico Renovação Nacional – Rio de Janeiro, Nº 33 – Janeiro/Fevereiro de 1974. Página 5.

Nenhum comentário: