domingo, setembro 23, 2012

TEOFOBIA

Marcelo Carvalho*

Cresce em nosso país um sentimento teofóbico que se manifesta em atos provocativos de grupos e indivíduos contra a liberdade religiosa de terceiros. Não deixa de ser uma situação paradoxal onde os que clamam pelo fim do preconceito agem da mesma forma destilando preconceitos em suas manifestações. Neste texto me limitarei aos atos de intolerância direcionados aos católicos, mas que se aplicam igualmente aos cristãos em geral. Assim, proliferam por toda parte atos provocativos como o “beijo gay” coletivo que foi realizado ano passado em frente à catedral metropolitana de Florianópolis, ou a recente invasão de uma igreja no Rio de Janeiro por uma mulher que mostrava os seios e participava da tal “marcha das vadias”. Lamentavelmente, tais atos de intolerância contra cristãos estão se repetindo com certa frequência em nosso país, o que nos leva a refletir sobre o assunto.

De forma sutil, a teofobia está presente, também, na própria universidade. Com efeito, recriminar a reitora e vice-reitora por terem solicitado a celebração de uma missa de ação de graças pelo início da sua administração, enfatizando na sua crítica que espera “que não haja conversões de última hora ao deus de Abraão, Jacó e Isaac por conta da missa e menos ainda algum sacrifício no altar do servilismo”, é atitude deselegante que demonstra pouca sensibilidade com quem não “professa” o ateísmo. Afinal, o que haveria de errado se houvesse alguma conversão? É nessa estranheza que reside o preconceito. Revela também um aspecto do discurso intolerante e discriminatório de um ateísmo militante onde o que está sendo posto não é a afirmação positiva do ateísmo daquele que faz a crítica, mas a intenção de cercear a liberdade da manifestação religiosa dos outros. Sem problemas, enquanto isso se limitar a uma mera opinião e não se transformar em ações provocativas e discriminatórias como as mencionadas no parágrafo anterior. O problema, contudo, vai além disso. Se tal teofobismo não for combatido pela raiz, corremos o risco de deixar de fazer o bem àqueles que desesperadamente procuram ajuda. Vejamos o caso da pastoral universitária que atende na paróquia da Santíssima Trindade. Há uma demanda constante por parte de alunos e pais que procuram os serviços oferecidos na igreja em busca de orientação para os problemas típicos da vida universitária. São alunos que, repentinamente, têm que morar sozinhos e, diante das dificuldades do curso e da nova situação em que se encontram, muitas vezes recorrem ao vício do álcool e das drogas. Outros simplesmente estão desmotivados e, quando não se rendem ao desânimo e à depressão, não querem mais estudar gastando suas energias em festas intermináveis ou em militância de partidos políticos fazendo mera agitação estudantil. Aqueles que despertam para a seriedade da própria condição onde encontram ajuda? Uma parte procura a pastoral universitária. Nesse contexto, nada mais racional que a administração da universidade una esforços ao trabalho assistencial de quem quer que seja na sua missão de ajudar quem os procura, independente de credo e condição social. Sim, mas dirão os teofóbicos que, como eles são da igreja católica e a universidade é laica, tal união de forças não pode ocorrer. Ora, se os que criticam não propõem solução que deixem os outros fazerem o que precisa ser feito. Do contrário, sua única motivação será mesmo uma cruzada teofóbica.

Há pessoas que abusam de um discurso pretensiosamente acadêmico demonstrando receio de que questões religiosas se constituam numa “investida contra o Estado desfigurando-o de sua laicidade e tornando-o um instrumento de opressão de consciências, julgando ser “de fundamental importância que a universidade – denominada nos países hispânicos de a Máxima Casa do Saber – seja demasiadamente lúcida na separação entre o laico e o religioso. Nem se quer um culto ecumênico deveria acontecer”. O receio é pertinente, mas contraditório quando fala de opressão de consciências, principalmente se quem discursa é um simpatizante do marxismo, fanatismo doutrinário que, travestido de científico mas adotando uma dinâmica tipicamente religiosa e apoiado em “crenças” como o materialismo histórico, conseguiu o nível máximo de  opressão das consciências com o comunismo e ainda hoje fomenta um sectarismo perigoso quando se encastela na universidade sob as mais diversas formas com finalidade de doutrinação. Só assim  podemos entender a existência de um instituto como o IELA que pensa a América Latina unicamente sob a ótica marxista. (Seria  útil sabermos a fonte de financiamento deste instituto).

Voltemos ao teofobismo. O fato é que ele aponta o risco da utilização do laicismo como instrumento de coerção a qualquer expressão religiosa. Com efeito, há povos cuja identidade está profundamente arraigada na religião e que historicamente sofreram a investida do Estado tentando limitar sua identidade religiosa em prol de um laicismo extremado. O bom povo mexicano experimentou e sobreviveu a esta investida quando, mesmo submetido ao ateísmo momentâneo das ondas revolucionárias, nunca deixou de afirmar sua devoção a Nossa Senhora de Guadalupe, cuja imagem, estampada há mais de 500 anos na tilma do índio São Juan Diego, reina imponente na catedral da basílica de Nossa Senhora de Guadalupe. Esta violência revolucionária, que fracassou em destruir o sentimento religioso do povo mexicano (bem como a tilma), se configura de forma precisa nos “Povos” a que se refere o profeta Isaías em 8, 9-10: “Povos, fiquem sabendo que vocês serão derrotados. Atenção, países distantes: armem-se quanto quiserem que vocês sairão derrotados; façam planos a vontade que fracassarão; façam ameaças: elas não se cumprirão, porque Deus está conosco.” O povo mexicano, movido pela ação inspiradora do Espírito Santo na história, de forma heroica, atualizou mais uma vez esta eterna profecia.

*∑. Florianópolis (SC). Professor do Departamento de Matemática

Publicado originalmente no “Jornal do Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina (Apufsc-Sindical) Florianópolis, 09 de Julho de 2012, nº 774, pág. 2