sexta-feira, novembro 28, 2008

"DIREITAS" E "ESQUERDAS"

Plínio Salgado.

A sangrenta heresia do comunismo não se combate também contrapondo-lhe a chamada reação das "direitas". A concepção de "esquerdas" e "direitas" no domínio político é uma concepção do século XIX, o século que deu começo consciente à chamada "luta de classes", baseada no antagonismo entre o capital e o trabalho.

É preciso dizer-se que não foi Marx quem concebeu o mundo dividido em dois campos de interesses materiais antagônicos; foram os chamados liberalistas. Quebrada a concepção espiritualista da sociedade, estabeleceu-se a luta entre os agrupamentos políticos, assim como a luta entre os agrupamentos econômicos, aqueles regidos pelas múltiplas ideologias contraditórias e estes pela lei da oferta e da procura. No campo econômico, os produtores de mercadorias, com o fim de vendê-las em melhores condições e mais barato do que os seus adversários, tiveram necessidade de usar de dois expedientes: aumentar a eficiência das máquinas e baixar o custo da mão de obra. O trabalho humano foi considerado uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura, perdendo toda a nobre significação e espiritualidade que lhe imprimia o cristianismo. Tornando-se as máquinas mais aperfeiçoadas, de modo a uma só produzir por centenas de homens, o trabalho humano tornou-se uma mercadoria menos procurada e, portanto, mais barata. As conseqüências na vida individual e familiar eram evidentes: aumentou a pobreza dos operários enquanto avultava a riqueza dos grupos financeiros e das nações industriais.

Essa situação gravíssima vem pintada com realismo cru na encíclica Rerum Novarum, do Santo Padre Leão XIII, nos fins do século XIX. Foi dentro de tal situação que o Manifesto Comunista de 1848 lançou o brado: "operários de todo o mundo, uni-vos!" Esta a luta impropriamente denominada "do capital e do trabalho", porque na verdade o marxismo não pretende suprimir o capital como soma de trabalho acumulado, mas apenas como privilégio de indivíduos ou de grupos, passando, entretanto, o capital para as mãos do Estado, que se torna o único patrão e que exerce as funções dos antigos capitalistas, substabelecendo os seus poderes a favor de uma burocracia, o que vem, em última análise, recompor a situação anterior do predomínio de uma classe. Economicamente a verdadeira luta do comunismo é contra a propriedade familiar, já que a revolução dialética precipita as etapas da evolução capitalista, atingindo o grande monopólio do socialismo de Estado, forma em que se completam todos os monopólios de grupos, que também atentam contra o princípio da pequena propriedade, base física da família, e propulsionando a crescente proletarização das massas, razão pela qual foram condenados pela encíclica de Leão XIII e, em nossos dias, pelas de Pio XI e Pio XII.

Mas, para armar ao efeito, o marxismo diz lutar contra o capital e contra o chamado "imperialismo econômico" das nações favorecidas pelo maior acúmulo dos meios de produção. Esse cartaz deu à batalha social um caráter de internacionalismo. Influindo no mundo político, gerou a concepção de "direitas" e de "esquerdas", entendendo-se por "esquerdas" tudo aquilo que favorecia o desenvolvimento da revolução, pelo que se incluiu na linha do "esquerdismo" os chamados "reformistas", constituídos pelos liberais avançados, pelos socialistas moderados, pelos burgueses progressistas, enfim pelos transacionistas de todos os credos políticos fundados no indiferentismo religioso ou num cristianismo de elástica transigência.

Hoje, entretanto, já não se pode dizer que existam "direitas" e "esquerdas". Essa manobra tática do marxismo não ilude mais a ninguém. O nazismo, por exemplo, foi considerado por muitos um movimento das "direitas" mas a sua base filosófica era a mesma do comunismo, pois partia de uma concepção meramente biológica do homem e de nítido conceito materialista da crítica histórica e os seus fins identificavam-se com os do comunismo, pela ereção de um Estado Totalitário destruidor da personalidade humana. As chamadas democracias poderiam ser tomadas como expressões das "direitas" colocando-se num campo antagônico ao totalitarismo soviético, mas essas democracias além de serem agnósticas, isto é, não considerarem os problemas do Espírito, fundam-se no mesmo princípio doutrinário da transformação social segundo o ilimitado processo dialético de Hegel adotado pelo marxismo, porque subordinam os tipos de Estado e de Governo, as formas sociais e as normas jurídicas, não ao critério de uma imutável concepção dó mundo e das leis imprescritíveis da moralidade impostas por Deus, mas ao critério aritmético das maiores somas de votos, o que leva as ditas democracias a negarem-se a si mesmas nas conseqüências dos atos eleitorais.

Temos, assim, uma nova forma de totalitarismo, — o totalitarismo das democracias agnósticas, totalitarismo despótico das massas, cujo peso quantitativo manobrado por hábeis técnicos da formação da opinião pública e pelo poder do dinheiro, conforme salientou o Santo Padre Pio XII, atenta contra os direitos do Espírito e contra todo o princípio moral, nada impedindo que pela força das massas majoritárias sejam os fundamentos da Religião e os próprios princípios da liberdade postergados e suprimidos. Fica assim também provado que a democracia clássica do tipo de Rousseau não é um instrumento idôneo de defesa do gênero humano contra a calamidade comunista.

O mundo, como se vê, não pode hoje ser considerado sob o aspecto de "esquerdas" e "direitas", mesmo porque apreciáveis multidões de operários se arregimentam em muitos países para combater o comunismo, enquanto homens ricos, burgueses engravatados se alinham na corrente do marxismo revolucionário, que lhes faculta a liberdade aos baixos instintos e aos costumes degradantes de traficâncias indecorosas e um sexualismo sem freios.

A questão está hoje posta nos termos do "espiritualismo" e do "materialismo". Hoje, não se é mais econômica ou politicamente da "direita" ou da "esquerda"; é-se espiritualista ou materialista. Crer ou não crer em Deus, eis a questão. O mundo está dividido entre os que crêem e os que não crêem em Deus. O comunismo não é uma política, é uma mística às avessas, uma concepção anti-religiosa do universo. É o mundo sem Deus. E o totalitarismo mais completo, o maior de todos, conforme disse, com muito acerto, o Padre Leonel Franca. O mais completo, porque contém em si todas as formas particulares dos outros totalitarismos. O maior, porque não se restringe aos limites de uma nacionalidade, mas alarga-se por todos os continentes aspirando o monopólio das almas e a escravidão dos povos.

Explorando diabolicamente os justos ressentimentos históricos das classes sofredoras, fazendo as mesmas críticas que fazemos das injustiças e desumanidades do capitalismo, tudo promete aos homens, usando de artifícios e de mentiras. "Assim se hipnotizam as massas", escreve o Padre Leonel Franca, "se mobilizam as energias religiosas da alma a serviço de uma ideologia ateia. Fé e esperança, dedicação e sacrifício, amor da justiça e da liberdade, todo esse patrimônio de riquezas humanas, que só tem valor numa ordem ontológica de realidades espirituais, são exploradas para acelerar a implantação de uma nova concepção de vida que as declara ficções sem conteúdo e abstrações malfazejas".

A grande heresia do século, a heresia do ateísmo militante, só pode, portanto, ser combatida, pela religião militante. Essa religião de combatentes é exatamente aquela que constitui o objeto do ódio mais feroz do marxismo: a religião de Cristo, a única religião da terra cujo senso de realismo social traz consigo a marca da sabedoria divina.

(Transcrito das págs. 45 até 49 de "Primeiro, Cristo!" – 4ª edição – São Paulo/Brasília – Voz do Oeste/INL-MEC – 1979 – XVIII + 175 págs.)

A Vida Heróica e Revolucionária.
Explicação necessária: Infelizmente, alguns tontos resolveram confundir o Conceito de Vida Heróica e Revolucionária, proposto por Plínio Salgado, com o "Super-Homem", surgido do cérebro demente de Nietzsche. Ora, nada mais distante do Conceito de Homem Heróico e Revolucionário, que tem fundamento Espiritualista e Cristão, do que o produto da mente perturbada do filósofo tedesco. Para comprová-lo, reproduzimos abaixo o maravilhoso Artigo da saudosa Companheira Margarida Corbisier – publicado originalmente em "A Offensiva"(13/04/1935), em que se evidencia a nenhuma semelhança entre a genial criação de Plínio Salgado e a alucinação de Nietzsche.

CONCEITO DE VIDA HERÓICA.

Margarida Cavalcanti de Albuquerque Corbisier.

Já se vai precisamente, no processo misterioso dos tempos, a hora em que os homens ainda uma vez despertos para a realidade de sua tarefa de "homens", ainda uma vez conscientes de sua "irremediável" dignidade, saberão galhardamente "fazer a vida" ao invés de esperar que a vida os fizesse.

Havia uma imensa terra verde, um entrechoque monstruoso de sangues, de matéria humana... hibridismos raciais, riquezas de complexidade.

Um sopro de vida impulsionou aquela exuberância de elementos dispersos em ritmo vitalizante de agregação... e já se vai forjando o extensíssimo laboratório geográfico, em crisol de muitas histórias, uma geração de claridade e frescura, elástica e inquebrantável como os jungos. Virginalmente fecundada de essências.

Geração de aço, pois sua consistência é a simplicidade, - geração de fogo, pois sua força é o impulso das energias nucleares - um dia, essa geração falará ao mundo: sua voz terá o calor dos estios queimantes e a doçura do mel dos manacás... entoará para os homens velhos da Terra o canto guerreiro da Vida Heróica!

Nos mais fundos recessos do Universo latejam sempre, surdamente, as forças de desagregação e de morte. O imperioso movimento de Criação é um eterno desafio à capacidade de luta dos seres. Ressoa um grito de alerta pelos espaços inter-estelares. Existir é a palma de uma conquista incessante. E os seres lutam sem trégua pela sua afirmação. Sucumbem corpos na conservação das espécies. Altera-se a matéria na fixação das formas. Cada berço cava o alicerce de uma sepultura, cada crepúsculo encerra a promessa de uma aurora. Combatem a Vida e a Morte a grande batalha do Cosmos... processo de misteriosa elaboração... E o homem também vem ao mundo com o instinto secreto de luta. No olhar das crianças chameja o impulso das arrancadas irresistíveis. Esses pequeninos, quase ainda só de terra e de sangue, anseiam por aventuras cheias de perigo e de glória. Na indefinição de seu alvorecer, encerram todo o ímpeto de suas potencialidades totais... e arrojam-se combativos a viver por antecipação em seus brinquedos, epopéias e lances heróicos de toda a sorte. Ora são exploradores, audazes caçadores de feras, guerreiros denodados; ora missionários entre tribos selvagens, senhores de fantásticos impérios. Nunca os atemorizam obstáculos, confiam imperturbáveis no pleno êxito de suas façanhas.
Mais tarde, se lhes amortece o brilho do olhar. Descobrem a exigüidade do Espaço e do Tempo que os aprisionam. Aflige-se a banalidade de suas conquistas. Não cabem mais dentro da Vida que os asfixia, desencantam-se ante as perspectivas descoloridas que ela lhes oferece. Tão diferente fora tudo que sonharam...

E amesquinhado o Ideal, desfeitas as visões maravilhosas da infância, perdem o gosto pela luta. Se tudo é relativo, busquemos o que for mais a acessível. Deslizam pela corrente das comodidades, amargos e cínicos. Anquilozam-se progressivamente pela inação. Entorpecidos, deixam-se arrastar pelas forças implacáveis de destruição e de morte.

Não mentem, porém, nem os impulsos ardentes das primaveras humanas, nem as sombrias revelações dos primeiros embates. As crianças conhecem os segredos das intuições profundas... E o heroísmo é a vocação própria do homem. Mas, na esfera humana, a luta se desloca para a ordem moral e adquire um sentido trágico.

No início dos tempos batalhava o Cosmos. Batia surda e massiça a marcha em sentido de fatal unidade. Tudo era escuro.

Houve um estremecimento de gênese. Lampejou na treva uma centelha divina. Surgiu para o ser a alma humana.

Vinha marcada de predestinação aos êxtases supremos – estigmatizada de liberdade – rescendente de essência e de divino.

E a grande batalha começou. A que ressoa na Eternidade. A Batalha do Bem e do Mal.

Bem e Mal!... Dupla face do trágico e sublime e imortal destino humano!

À dignidade do Ser Livre cabe a grande luta. Como todas as coisas criadas, o homem terá de dar testemunho do Criador. Fa-lo-á, porém, quer pela afirmação, quer pela negação. Nascido para o Absoluto, terá de escolher entre o relativo. E essa limitação lhe será dolorosa. Durante toda a sua trajetória terrestre a sua vocação ao Infinito o perturbará. Aguilhão de Vida – que castiga na Terra.

Terá de traçar, assim, a sua feição definitiva incessantemente solicitado por forças contrárias. Será, na ordem moral, o árbitro supremo dos destinos da Criação. Filho de Deus, especialmente elaborado à Sua Imagem, é o escolhido do Céu para cooperar na Grande Obra...

Tal é a revelação misteriosa que encerram os pressentimentos juvenis. Neles palpita o germe de nossa grandeza. E essa mesma grandeza é nossa tentação e a nossa perda. Impele-nos a torrente de nossa potencialidade virgem. Sentimo-nos grandes, pressentimo-nos imortais. Atraem-nos os combates, sobretudo pelo papel que neles podemos desempenhar. Trabalhamos para nossa própria glória. Somos pequenos heróis, pequenos reis – cheios de vaidades.

É então que a vida nos ensina a lição do limite e da morte. Desfolham-se quando as tocamos, as rosas que colhemos. Diminui o mundo à medida que crescemos. Afigura-se-nos quixotesco o nosso heroísmo. Tudo se perde na voragem do tempo. Ninguém nos compreende. Os homens são seresinhos pequeninos e egoístas que se roçam uns aos outros e se desconhecem. Tudo se vai envolvendo de uma densidade cinzenta de ceticismo...

Baixa o crepúsculo sobre a nossa alma. É o resfriamento do coração, a poda das melhores energias.

Mas as grandes noites engendram as auroras luminosas... No desamparo de nossa solidão sentimos doidamente a ausência de uma Plenitude. O vácuo imenso de nossa vida é um apelo ao Infinito... A revelação de nossa profunda miséria... impotentes, desorientados, aniquilados brota de nossa alma exangue um grito de desespero e de socorro !

... e então desvendam-se para nós os horizontes supremos das eternas consolações. Reconhecida e aceita a nossa inutilidade, aprendemos o segredo dos heroísmos invencíveis. Compreendemos que a renúncia a si mesmo é o penhor da afirmação para sempre. Já não mais lutamos insensatos, para nossa própria glória; e sim para a Grande Causa! Lutamos pela honra de servir. Pouco importa a tarefa que nos cabe, o que importa é cumpri-la. Tudo é sublime no Resultado Absoluto.
Fixa-se, indelével, o nosso caráter. A Fé nos unifica, organiza, disciplina, abrindo-nos o horizonte das esperanças totais... identificando-nos a nós mesmos como se renascessemos – e esse renascimento consciente trás toda a frescura e a alegria das alvoradas. Agimos com a serenidade quente das convicções inabaláveis, profundas. Invencíveis pelo desprezo absoluto de nós mesmos nada mais nos demoverá. Caminharemos até a meta final sustentados pela Força de Misteriosa Atração...

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Um dia, os "camisas verdes" da terra moça do Brasil falarão ao mundo: sua voz terá o calor dos estilos queimantes e a doçura do mel dos manacás... e entoará para todos os homens da Terra o hino guerreiro da Vida Heróica.

(Transcrito das páginas 53 até 60 do "Estudos e Depoimentos", volume V da Enciclopédia do Integralismo – Rio de Janeiro – Livraria Clássica Brasileira/GRD – 1958 – 186 págs.)