Dom
Hélder Câmara em Perspectiva
Cleiton Oliveira(1)
Estão sendo divulgados dois textos de puro embate a
pessoa de Dom Helder Câmara, que em alguns pontos, beiram à desonestidade
intelectual e à falta de rigor de análise histórica.
Um dos textos “Quem foi realmente Dom Helder Câmara?”(2) do
Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO) e o outro; mais antigo “Dom Helder
Câmara – uma retrospectiva de fatos”(3) da
editora Permanência.
A questão não é defender Dom Helder integralmente. Vejo
que se ele não foi um dissimulado na defesa que fez da esquerda, foi no mínimo,
um “inocente útil” deste credo – mas prefiro pensar que sua preocupação social,
seu cristianismo o levou a isso (na década de 1930 pronunciou uma série de
palestras em vários locais, mas, sobretudo, na Academia Brasileira de Letras
sobre a temática do comunismo – “comunismo e a família”, “comunismo e a mulher”
etc., como nos atesta o jornal integralista A
Offensiva da década de 1930).
Penso que a intenção do texto, em especial o da Editora
Permanência, é de afronta a D. Helder Câmara, que no calor dos embates daquele
momento trata-o de fascista, comunista, desonesto e oportunista. Mas apresenta
um perfil um pouco mais brando, quando trata de sua participação no Centro Dom
Vital, senão vejamos: “Cerca de 12 anos Helder
Câmara foi assistente eclesiástico do nosso Centro Dom Vital, a associação de
escritores católicos presidida por Alceu Amoroso Lima, da qual saíram Gustavo
Corção e a maioria dos sócios em 1963. Quando Alceu Amoroso Lima, juntamente
com Helder Câmara, já mostrava inequívocos sinais de progressismo e
esquerdismo.”
Então, ele foi nazi-fascista no
integralismo, comunista enquanto bispo e enquanto membro do glorioso Centro Dom
Vital ele apresentava apenas “sinais de progressismo e esquerdismo”?!
Outro ponto interessante é a questão da
nota promissória do Banco da Guanabara e para onde foi o dinheiro: “esse
dinheiro foi usado por D. Helder Câmara para suas promoções demagógicas
irresponsáveis como, por exemplo, construir prédios de apartamentos para
favelados, no meio de áreas residenciais mais abastadas, como a Praia do
Pinto.” Não justificando o uso indevido do dinheiro, (se é que houve), mas a
postura elitista, em que a questão não é o uso do dinheiro em si, mas a
construção de moradia para favelados em “áreas residenciais mais abastadas”.
Que cristianismo é esse da Permanência pretende atribuir lugar de pobre e de
gente “abastada”?
O texto da Permanência é um pouco mais
brando/honesto do que o do IPCO. Tenho bons amigos ligados ao IPCO (fundadores)
e mesmo aos Arautos, mas vejo-os em demasia elitistas e muitas vezes liberais
ao estremo em política. Esquecendo-se que o materialismo de “esquerda” e de
“direita” foram condenados igualmente pela Santa Igreja.
E, neste ponto, não poderia deixar de
apresentar aqui, a análise justa e inteligente do Padre João Batista de A.
Prado Ferraz Costa, que em artigo – “Dom Hélder Câmara e Plínio Salgado”(4) – nos deixa este primor: ‘Na verdade, há muito católico conservador que não tem
nenhum apreço pela doutrina social da Igreja (e aqui só me refiro aos
documentos de Leão XIII a Pio XI) e só a cita no que diz respeito à condenação
do comunismo. Mas quanto às diretrizes dos pontífices sobre uma organização
sócio-econômica corporativa passam por alto, porque defendem o capitalismo
liberal baseado na partidocracia dita democrática. São esses católicos
‘conservadores’, que tanto enaltecem os EUA, que acusam movimentos políticos
como a Ação Integralista de ser nazista’.
Nas entrelinhas do texto da Permanência
me parece ser negado a D. Helder dar uma esperança ao povo humilde dentro do
cristianismo. Destaca que “é verdade que não lhe é permitido mistificar um povo
humilde, simples e ainda dotado, em grande parte, de uma religiosidade
católica”. O povo católico pode viver à míngua, enquanto, uma elite maçônica
suga tudo deste povo (qualquer reivindicação social soa como comunismo).
Mas o drástico aqui, e principalmente no
texto do IPCO, é o anti-integralismo – Integralismo esse que eles parecem
desconhecer de todo ou assume e reproduz apenas a análise esquerdista de embate
a este grande movimento político brasileiro – o texto do Padre João faz uma
justiça à pessoa de Plínio Salgado, mas tem falhas na abordagem das ideias de
Miguel Reale e Gustavo Barroso.
Outra questão é o caso do não
acolhimento de Dom Helder, e penso de todo o ideal católico, pelo governo
Castelo Branco. Se formos à história vamos ver que o comandante Mourão Filho,
velho integralista, que deu pontapé inicial do levante civil/militar, e tão
logo teve o acolhimento popular e a não resistência. Foi posto para o escanteio
e substituto pelas rapinas ligadas aos interesses norte-americanos de
enfrentamento ao comunismo que perpassou para a tutela econômica. A indústria
brasileira (estou falando de tecnologia nacional) teve um grande retrocesso no
governo militar, que priorizou as corporações multinacionais (eu acolhendo a
análise da esquerda aqui, pois estão corretos nesta abordagem).
Penso que já estou me estendendo em demasia e não me cabe
aqui, no momento, apresentar e debater todos os fatos que são muitos.
Mas no que pese a análise rasteira do integralismo, penso
que deveriam ter no mínimo o bom senso de consultar as fontes integralistas.
O Padre João Batista me parece que consultou apenas ao
livro de Plínio Salgado “A Vida de Jesus”, que é realmente um primor, e se não
estou equivocado, reproduz a tese de Francisco Martins de Souza(5).
O texto da Permanência penso que esteja dentro de um
contexto de refrega e se não estou equivocado, Dom Hélder estava vivo e poderia
se defender.
Agora o texto do IPCO é fruto, além deste posicionamento
de combate, de uma desonestidade intelectual. Poderiam, no mínimo, consultar os
escritos de Dom Helder da década de 1930 e os escritos de Plínio Salgado(6)– e
como os de Salgado são muitos deixo minha indicação: “Palavra Nova dos Tempos
Novos” de 1936, “Despertemos a Nação” de 1935, “A Quarta Humanidade” 1935,
“Psicologia da Revolução” de 1934 e “O Que é o Integralismo” de 1933, apenas
indicando parte de sua produção dos anos 30, a produção posterior apenas
aprofunda e amadurece o contido nestas obras.
Neste ponto, o Padre João Batista se equivoca em atribuir
a Salgado um amadurecimento espiritual apenas em seu exílio em Portugal, se
esquecendo que sua “Vida de Jesus”, publicada em 1942, já havia sido iniciada
no Brasil, inclusive tendo seus originais confiscados pela polícia, quando da
prisão de Plínio pelo Estado Novo.
Agora se D. Helder defendeu Che Guevara e todo o movimento
de guerrilha, sabemos hoje, que ele estava completamente equivocado merecendo
nossa ressalva neste ponto.
Pelo
Bem do Brasil!
Cidade
de Goiás, 18 de abril de 2015.
1)Professor da rede estadual de ensino de Goiás.
2) http://ipco.org.br/ipco/noticias/quem-foi-realmente-dom-helder-camara#.VSsXtPnF_9U,
acesso 12/04/2015.
3) http://permanencia.org.br/drupal/node/711,
acesso 12/04/2015.
5) SOUZA, Francisco Martins de. Raízes Teóricas do Corporativismo Brasileiro.
Rio de Janeiro, Ed. Tempo Brasileiro, 1999.
6) Neste ponto é interessante o artigo de Plínio
Salgado “Equívocos de Dom Helder”, disponível no blog populista (grande
trabalho de Resgate do companheiro Guilherme Jorge Figueira): http://historia-do-prp.blogspot.com.br/2015/04/plinio-salgado-critica-publicamente-d.html,
acesso 15/04/2015.
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