Jáder Araújo de Medeiros
Em sensacionais declarações que fez
recentemente à imprensa, o Marechal Juarez Távora, disse inicialmente aos
repórteres que “não desejava se estender muito sobre assuntos políticos”,
frisando: “Estou afastado há muito tempo das lides e só quem está mexendo a
caldeira é que pode falar de decisões e resultados”. E acrescentou: “A
normalização democrática é um assunto muito complexo e só quem exerce o Poder
sabe a oportunidade de efetivá-la ou não”. Em tom ligeiramente irônico, disse:
“Eu não sou profeta ou adivinho”.
Afirmou ainda o Marechal Juarez
Távora, “que o atual regime enfrenta um período de transição”, salientando: “Há
que ter paciência para esperar as soluções e eu digo isso principalmente para
os jovens, sempre impacientes. Eu já estou no fim da vida e só agora percebo
uma perspectiva para o Brasil. Isso me consola”.
Prosseguindo, destacou que “dentro de
um Governo, existem três aspectos a considerar: o econômico-financeiro (bem
encaminhado e já dando frutos), o psico-social (bem equacionado a partir da
premissa de que o fator econômico é um meio para resolver o aspecto social e
não um fim em si mesmo), e o político”, acrescentando: “Falta, para nós, a
equação. É necessário saber estabelecer o equilíbrio da ordem com autoridade e
da liberdade com responsabilidade. Tudo deve ser dosado, resolvido com
equilíbrio e sem precipitações”.
Antes de abordar e destacar o ponto
mais importante e sensacional de suas declarações, devo assinalar que o
Marechal Juarez Távora, é um homem politicamente bem vivido e experimentado,
tendo desempenhado funções da mais alta relevância na administração pública do
País, desde o tempo em que, como tenente, tomou parte destacada na revolução
liberal de 1930.
Poder-se-á discordar das posições
anteriormente assumidas pelo honrado militar, quando o mesmo ainda estava
convencido de que “não há democracia sem liberalismo”, como sói acontecer,
ainda nos tempos que correm, com os velhos, retrógrados e renitentes
apologistas das esdrúxulas e superadas teorias de Jean Jacques Rousseau e da
Revolução Francesa.
Mas, a partir do momento em que o
velho e íntegro homem público, está convencido “da inutilidade do liberalismo
como política, convencendo-se, obviamente, de que “é impossível continuar
confundindo liberalismo com democracia”, a ninguém é dado discordar do Marechal
Juarez Távora, - a não ser aqueles tais, - quando afirma à imprensa, que “NUNCA MAIS RETORNAREMOS À DEMOCRACIA
LIBERAL. SEM DÚVIDA, O LIBERALISMO MORREU NO MUNDO MODERNO. NÃO HÁ NAÇÃO QUE
SOBREVIVA SEM PLANEJAMENTO RÍGIDO E O CONTROLE SÉRIO DAS EXECUÇÕES DE PROJETOS”.
E em seguida, apontando a solução
mais consentânea aos supremos interesses do Brasil e dos brasileiros, para a
implantação de uma verdadeira e autêntica Democracia no País, o bravo Marechal
afirma com absoluta convicção: - “O CAMINHO
É UMA DEMOCRACIA ORGÂNICA COM EQUILÍBRIO PERFEITO DE ORDEM E LIBERDADE”,
aduzindo: “Sem ordem não há progresso, sem uma economia forte não há progresso
social e sem progresso social não há liberdade. A normalização virá dentro
desses preceitos. Não sei quando nem como, pois já disse que não sou profeta.
Mas virá”.
Essas e outras declarações, incisivas
e no mesmo diapasão, do ex-ministro do Governo Castelo Branco, foram feitas à
imprensa quando o mesmo esteve no escritório do General Ernesto Geisel, fazendo
entrega ao General Golbery do Couto e Silva, de um estudo sobre o
Desenvolvimento do Nordeste em relação ao Desenvolvimento Brasileiro, elaborado
por técnicos ligados ao comércio e à indústria de Pernambuco, que solicitaram ao
Marechal para passá-lo às mãos do futuro Presidente da República.
É evidente que, apanhado de surpresa
pelos repórteres, o Marechal Juarez Távora não quis entrar em maiores detalhes,
talvez por prudência, sobre o que entende por DEMOCRACIA ORGÂNICA, limitando-se a uma ligeira digressão a
respeito de tão palpitante e oportuníssimo tema de ordem
político-institucional.
Foi o bastante para que o colunista
Carlos Castello Branco, do “Jornal do Brasil”, tido e havido como um grande
entendido sobre assuntos políticos, entre elogios balofos e feitos de encomenda
ao velho Marechal, articulasse uma série de considerações, na vã tentativa de
procurar justificar uma suposta impropriedade da expressão DEMOCRACIA ORGÂNICA, usada pelo ilustre entrevistado, como o único
caminho, certo, a ser palmilhado pela Revolução de Março de 64, para a
implantação de uma verdadeira e autêntica Democracia no Brasil, através da qual
participem, real e efetivamente, todas as Forças Vivas da Nacionalidade.
De tal sorte é a ignorância ou
desconhecimento do colunista do “Jornal do Brasil”, sobre assunto de
fundamental importância para a definitiva normalização democrática do País,
qual seja, a DEMOCRACIA ORGÂNICA,
que o mesmo chega ao absurdo de afirmar que “democracia orgânica não é nada”,
insinuando que o Marechal tenha recorrido à expressão “orgânica” para evitar
que o confundam com “um liberal do estilo clássico”. Esse o entendimento do
colunista em apreço, o qual também labora no mesmo erros dos velhos e
impenitentes apologistas da democracia liberal, ideologia estrangeira que data
do século XVIII, oriunda da França, quando usa de expressões como tais: “a
palavra liberal, tradicionalmente ligada à democracia...” e “politicamente,
todavia, a democracia há de ser liberal ou não será democracia...”.
Francamente, além de crassa burrice,
é de estarrecer que, em pleno século XX e já próximo ao século XXI, um homem
tido como culto e experimentado (como ele mesmo afirma o ser), ainda esteja
pensando, raciocinando e argumentando como pensavam, raciocinavam e argumentavam
os nossos avós e bisavós, contemporâneos dos lampiões a gás e dos carros de
bois...
Por que não DEMOCRACIA ORGÂNICA, quando já existiu uma democracia liberal?
O que acontece é o seguinte: o culto
e experimentado colunista do “Jornal do Brasil”, não sabe o que é DEMOCRACIA ORGÂNICA, ao contrário do
experimentadíssimo Marechal Juarez Távora. Homem estudioso dos problemas
nacionais e humanos, que a conhece muito bem e sabe por que empregou essa
expressão e esse qualificativo.
Ao reverso do que pretendeu insinuar
o articulista do “Jornal do Brasil”, o nobre Marechal não é mais um liberal,
com ou sem estilo clássico, tanto que abjurou, com todas as letras, não apenas
o liberalismo, mas também a democracia que carregava o liberalismo às costas,
isto é, a democracia liberal.
Já que está “na hora de distinguir”,
o Marechal Juarez Távora, em síntese, distinguiu clara e inapelavelmente, DEMOCRACIA ORGÂNICA de democracia
liberal. O colunista do “Jornal do Brasil”, com o seu “na hora de distinguir”,
é que não distinguiu nada, baralhando tudo e tentando tirar ilações irreais,
pretendendo entender o que o honrado Marechal não disse em suas incisivas e
peremptórias declarações à imprensa.
A Revolução precisa ter muito cuidado
com esse fogoso e inconsequente colunista, useiro e vezeiro em impingir
conceitos nauseabundos de uma ideologia estrangeira já totalmente superada no
mundo moderno, - o liberalismo, - tentando enxerta-los com princípios altamente
renovadores e de índole integralmente revolucionários.
Será que o sr. Carlos Castello
Branco, ainda não se convenceu que o “liberalismo já era”, quando homens, os
mais cultos e esclarecidos deste País, já se convenceram disso, inclusive o
velho e experimentado homem público, Marechal Juarez Távora, que até há pouco
era ferrenho adepto do liberalismo, ou seja, da democracia liberal?
Com a palavra o Professor Goffredo
Telles Júnior, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, que em seu livro “A Democracia e o Brasil”, afirma: - “Para atender aos
interesses da classe burguesa, as ideias do liberalismo soldaram-se ao conceito
de democracia. Firmou-se em muitos países, a convicção de que não há democracia
sem liberalismo. De acordo com a mentalidade dessa classe, as ideias do
liberalismo erigiram-se em tabus: não podem mais ser tocadas sem que a
democracia seja profanada, inimigo da democracia passou a ser todo aquele que
ousasse idealizar uma democracia mais perfeita, uma democracia que não
empregasse os métodos políticos do liberalismo”.
Esse categorizado mestre do Direito é
extremamente convincente sobre o assunto, provando irrespondivelmente a
inutilidade e o fracasso da democracia liberal no mundo inteiro e
particularmente no Brasil. E quem duvidar que leia essa magistral obra
publicada pela Editora Revista dos Tribunais, de São Paulo.
Talvez o articulista de “na hora de
distinguir” não saiba que “etimologicamente, democracia é o governo do povo. O
que supõe o reconhecimento efetivo das prerrogativas da Pessoa Humana e a
participação mais direta dos cidadãos no governo do Estado”.
Todos sabem – e isto é público e
notório – que na prática a democracia liberal no Brasil, nunca atendeu a essas
prerrogativas, não ensejando a participação efetiva e direta do povo no governo
do Estado, pois os partidos em que assenta sua estrutura
político-institucional, jamais canalizaram a opinião pública, e o sufrágio
universal, forma adotada pelo liberalismo para a captação da vontade popular,
“é uma espécie de masseira ou amassadeira, onde todas as diferenças humanas são
confundidas e onde o povo, que os imperativos naturais da existência divide em
corpos sociais distintos, é desfigurado e transformado em massa, isto já é mais
do que suficiente para inutilizar o sufrágio universal como processo produtor
da representação política”.
A esta altura do presente comentário,
é de todo conveniente ressaltar o que está escrito no livro da minha autoria, A FORÇA DE UM PENSAMENTO, quando trato
do palpitante tema “Reforma Política do Brasil”: - “Se por vezes somos forçados
a transigir (porque a Revolução também transigiu) com o atual sistema de
captação da vontade popular, mediante a apresentação de candidatos através de
partidos políticos e escolha pelo ardiloso e enganador sufrágio universal, nem
por isso deixaremos de condenar um sistema que na prática deixou de ser democrático para ser
dinheirocrático ou coisa pior, porque via de regra, trás no seu bojo, travestidos
de “representantes do povo”, os menos competentes ou os mais incapazes, moral e
intelectualmente”.
E assinalei a seguir: - “O certo é
que o Estado Democrático só será uma realidade quando for representado pelos
grupos naturais e não pelos partidos políticos, como acontece atualmente. Daí
desejarmos ver implantada no Brasil a Democracia Orgânica, que representará uma
verdadeira e autêntica reforma das instituições políticas, sociais e econômicas
da Nação Brasileira, em perfeita consonância com a tradição cristã e o
progresso científico e tecnológico do nosso tempo”.
É precisamente isto o que também
deseja para o Brasil, o íntegro e honrado Marechal Juarez Távora, que chega
agora à mesma conclusão que já havíamos chegado há quarenta anos passados,
quando afirma, pura e simplesmente, como vistas aos homens responsáveis e
autênticos revolucionários do Movimento de 31 de Março de 64: “O CAMINHO É UMA DEMOCRACIA ORGÂNICA, COM
EQULÍBRIO PERFEITO DE ORDEM E LIBERDADE”.
E que é DEMOCRACIA ORGÂNICA, que o colunista do “Jornal do Brasil”,
considerado “um profundo entendido em assuntos políticos”, afirma que “não é
nada”? Vou explicar para ele e para quantos, como ele, que são inteiramente
ignorantes no assunto, o que é DEMOCRACIA
ORGÂNICA, a qual, logo de início poderei dizer, sem exageros, que é a única
que realiza plenamente o conceito da autêntica Democracia, porque “no organismo
social, os homens fazem parte integrante de Grupos Naturais, que gozam das
prerrogativas humanas e estes Grupos estão intimamente entrelaçados entre si,
constituindo a Nação”.
Assim, tomando por base, então, não o
homem-cívico, isolado, da democracia liberal, mas o homem em função dos Grupos
Naturais, que protegem sua personalidade e asseguram sua autonomia, a DEMOCRACIA ORGÂNICA, em outras
palavras, se edifica a partir das realidades que constituem o “organismo social”.
Os Grupos Naturais da sociedade, que,
em última análise, constituem a base político-institucional da DEMOCRACIA ORGÂNICA, são: o familiar, o
profissional, o religioso e o cultural, através dos quais, mediante novo
sistema de captação da vontade popular, pelos seus legítimos representantes,
todas as Forças Vivas da Nacionalidade, participarão, direta e efetivamente, do
Governo e dos destinos da Pátria.
Afirmou o Marechal JuarezTávora, como
já salientei, “que o atual regime enfrenta um período de transição”, e que, “há
que ter paciência para esperar as soluções”. E tem toda razão o arguto e
experimentado homem público, porque a mudança de um sistema de governo para
outro (não é mudança de regime, pois esse, o democrático, é permanente e
inalterável), não se processa apressadamente ou de afogadilho.
Assim, enquanto tal não ocorrer,
enquanto não houver oportunidade propícia à implantação completa da DEMOCRACIA ORGÂNICA, como alternativa,
torna-se imperiosa e indiscutivelmente oportuna, a criação e
institucionalização da CÂMARA ORGÂNICA,
que já constituirá uma importante inovação a ser introduzida no atual sistema,
retirando de uma evidente marginalização do processo político brasileiro, as
categorias econômicas, profissionais e culturais do país.
Digo “importante inovação a ser
introduzida no atual sistema”, porque “a CÂMARA
ORGÂNICA não diminuirá os poderes e prerrogativas da Câmara Política, ou do
Senado; ao contrário, virá fortalecê-los, complementando-os como assessoria
técnica e corrigindo a inexpressibilidade do sufrágio universal, cujos
representantes nada mais exprimem do que as correntes de opinião do País, mas
não, especificamente, os interesses de qualquer das categorias componentes do
corpo vivo da Nação”.
Sinceramente, acredito que essa
magnífica perspectiva será consumada dentro em breve, face às claras e
incisivas afirmações do General Ernesto Geisel, no seu primeiro pronunciamento
político à Nação. Disse o futuro presidente da República: - “No aperfeiçoamento
do regime e, pois, das estruturas pertinentes, dever-se-á, entretanto, evitar o
mero formalismo, impedir o retorno ao passado condenado e não abdicar das
prerrogativas ou poderes que foram atribuídos ao Governo, enquanto essenciais à
realização dos objetivos concretos e específicos que lhe cumpre perseguir para
a segurança social, econômica e política dos brasileiros. As modificações
necessitam ser realísticas e oportunas, com franquias que tenham, como
contrapartida necessária a responsabilidade efetiva, e corresponder
incontestavelmente à nossa índole, sobretudo, em que se não quebre o clima de
tranquilidade indispensável ao pleno rendimento de seu labor ordenado e
produtivo”.
Entendo – e melhor do que eu,
entendem todos os brasileiros proscritos da falsa vida política do País, - que
a criação e institucionalização da CÂMARA
ORGÂNICA, constituirá, sem dúvida, uma modificação absolutamente realística
e oportuna, representando um indiscutível aperfeiçoamento do regime, vale
dizer, de suas estruturas, fora do mero formalismo e que permitirá à Revolução,
imunizar-se contra o retorno ao passado condenado.
Portanto, com esse aperfeiçoamento do
regime, a Revolução de Março de 64, estará marchando inflexivelmente para a
normalização democrática, porque possibilitará a participação das categorias econômicas,
profissionais e culturais do País, até aqui inteiramente marginalizadas, no processo
político-administrativo e nos destinos da Nação Brasileira.
_________________________________________
Publicado originalmente no periódico Renovação Nacional – Rio de Janeiro, Nº 33 – Janeiro/Fevereiro de
1974. Página 5.
Nenhum comentário:
Postar um comentário